Sinopse / Crítica
Lightyear
A história de origem do astronauta Buzz Lightyear, o grande herói do Comando Estelar que inspirou o
boneco.
Antes de mais nada, que uma coisa fique clara: esse filme não tem nada a ver com a saga Toy Story.
Quer dizer, “nada” talvez seja um pouco forte, pois o design do personagem é o mesmo, tanto lá
quanto aqui. Porém, não há muito além disso. Nem mesmo a personalidade é a mesma. Nos quatro longas
(e inúmeros curtas) desenvolvidos a partir da criação original de John Lasseter (que ganhou um Oscar
especial pelo primeiro filme, de 1995, mas que depois acabou sendo afastado do comando da Pixar após
acusações de assédio), Pete Docter (oscarizado por Up: Altas Aventuras, 2009, Divertida Mente, 2015,
e por Soul, 2020) e Andrew Stanton (que levou a estatueta dourada para casa por Procurando Nemo,
2003, e por Wall-E, 2008), o que se tinha era uma figura de plástico que, por mais que se visse como
um herói de carne e osso, aos poucos ia percebendo não ser mais do que um produto. Aqui, no entanto,
apresenta-se o ser humano por trás dessa estampa. Um crédito inicial, aliás, faz o favor de elucidar
essa questão. Então, melhor não esperar por um Toy Story 5 ou qualquer coisa do gênero. Lightyear
tenta se sustentar pelas próprias pernas, o que, sob certo aspecto, não deixa de ser louvável. Por
outro lado, no entanto, chega a ser constrangedor perceber o quão pouco esse novo universo tem a
oferecer.
Há algo ainda mais tenso nesse horizonte. Simplesmente não há história a ser desenvolvida. O
roteiro de Jason Headley (Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica, 2020), elaborado a partir do
argumento elaborado em conjunto com o diretor estreante Angus MacLane e Matthew Aldrich (Viva: A
Vida é uma Festa, 2017) se ocupa quase que inteiramente em apenas resolver problemas por eles mesmos
criados, ao invés de estabelecer uma direção a ser percorrida. Logo nos primeiros minutos, os
espectadores são apresentados a Buzz Lightyear e uma colega astronauta, Izzy Hawthorne (voz de Keke
Palmer no original), em uma missão de reconhecimento em um planeta desabitado. Assim que desembarcam
percebem que o ambiente é hostil, e rapidamente passam a ser atacados por criaturas vorazes gigantes
e plantas trepadeiras caçadoras. Por pouco não conseguem voltar para a nave, e durante a fuga acabam
batendo em um rochedo, o que os impede de ir muito longe. Assim, se veem obrigados a consertar os
estragos antes de partir de vez.
Acontece que um defeito irá levar a outro, e a outro, e a outro. Esse looping aparentemente sem fim
irá encontrar reflexo nas próprias vidas dos personagens. A cada nova tentativa de escapar daquele
lugar, o protagonista incorrerá em um vácuo temporal que o colocará em dissonância com seus colegas
(sim, pois junto com eles se formará uma colônia de homens e mulheres que estavam em estado de
hibernação durante a primeira aterrisagem). Enquanto para ele toda vez que se lançar ao espaço
questão de minutos se passam, para os demais que permanecem no chão firme, sua ausência será de
anos. Porém, não irá desistir, mesmo sendo o único ainda comprometido em reparar seu erro inicial.
Numa guinada digna de marcar presença sem ruído em uma trama como a de Doutor Estranho e o
Multiverso da Loucura (2022), Buzz irá se deparar com seu maior inimigo – Zurg, o imperador do mal
visto pela primeira vez em Toy Story 2 (1999). Porém, quando a identidade desse é, enfim, revelada,
eis um encontro impossível que poucos esperavam, e do qual não muito é aproveitado. Produções
recentes, como O Projeto Adam (2022), indicam que talvez aqui haja uma tendência que poderia ter
rendido mais do que o raso conflito dessa vez desenvolvido.
Uma vez decidido que irá abrir mão do humor, as apostas em Lightyear recaem quase que
exclusivamente na ação. Nem essa, no entanto, se mostra particularmente excitante. Há muitos
lugares-comuns a serem superados (os coadjuvantes esforçados, porém atrapalhados, que mais atrasam
do que avançam, porém aos quais deverá permanecer ao lado em nome de um sentimentalismo quase
gratuito, visto que recém se conheceram) e alguns conflitos atirados a esmo (perseguições resolvidas
sem grande esforço, armadilhas facilmente antecipadas, reviravoltas que não alteram o resultado das
coisas) deixam o todo bastante cíclico, quase como um jogo de videogame, repleto de tarefas a serem
superadas, mas que pouco acrescentam além da experiência da participação. É um filme, portanto, que
se basta em si só, descartável pelo que oferece, e do qual dificilmente se poderá imaginar capaz de
gerar tamanha admiração a ponto de servir de modelo ao boneco que tanta magia será capaz de
provocar. Por outro lado, essa é também uma comprovação de que a imaginação sempre irá superar o
concreto. Seja na mente de um menino com seus brinquedos como na percepção daqueles que aqui vieram
atrás de fantasia e irão se deparar com um labirinto que parte do nada e chega a lugar nenhum.
Direção
Angus Maclane